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Dia Sem Pai

por PAS, em 29.08.13

19.Março.2013


A morte não nos vem todos os dias sob o mesmo signo, uns dias sugere-se no pensamento como um breve trecho que anuncia o que está marcado no nosso subconsciente desde o acontecimento, por outras alturas afecta a mente como o raio da descoberta e entorpece os sentidos como se a virgindade sobre a morte fosse perdida.
Hoje é dia de segunda fé. Acabrunhou-se-me o espírito com a recordação da ausência do meu pai, e o sentimento de injustiça que o momento revelou no passado feriu-me novamente. É quase tão injusta a ingerência no processo de quem escolhe quem fica e quem perece, como a ausência da sua memória no meu quotidiano. Patrocino, então, a doutrina de que não sofro o que devia, e por isso arrisco inflamar a minha posição ao cunho de “má filha”.
Nestes momentos de infortúnio, procuro compensar a devassa, com um turbilhão de sentimentos e eis que as recordações ocorrem qual montra de curtas-metragens, sem sentido, mas cheias de um alento perdido. Num instante vejo-o sorrir com aquele ar trocista que lhe marcava as feições como ninguém e ocorre-me a ideia o seu magnífico sarcasmo e piada fácil, uma herança que tento alimentar, uns dias com maior sucesso que outros. Noutro momento vejo-o de ar circunspecto, aquele semblante doto na circunstância, em que conseguia ser maior que mundo, à escala de uma pequena criança, que era eu. Vejo-o no sofá de perna cruzada, óculos rectos e gestos de mestre, um senhor da vida, eterno Xá no conhecimento e virtuoso na discussão, era um pai imenso à imagem de qualquer fado, qualquer ambição. 
Por isso digo, a morte não vem todos os dias sob o mesmo signo, pois hoje sugere-se diferente, na ausência da pronúncia, no vácuo da existência, enquanto uns cantam orgulhosos a felicidade paternal, em mim mora a angústia de nunca mais o poder dizer senão às paredes vazias do meu coração e esperar que num universo qualquer sobreviva um espectro, uma alma que o receba sem dor.

PAS

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