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Uns mais afim que outros, enquanto os outros nem sabem do aforismo
dizia-me um pseudo-conhecido: "há alguma dama ou cavalheiro que tenha a bondade de me auxiliar?", dizia-o de forma ritmada, como o glosar de um musical à mendigagem... mas comecemos pelo princípio.
investia eu pelos eternos corredores e escadas rolantes do metropolitano da Baixa-Chiado, procurava o lugar que acedia à minha longa viagem para a nobre Alvalade. Encontrei-o tão despido de cor como de gente, vislumbrei a poucos metros, quase oculto pela escuridão das sombras, um homem cabisbaixo, brincava com o que parecia ser uma vara (tipo: estão a ver o Dr. House?, era antagónico!)... tive num instante receio pela solidão que nos unia. "eu só com um tarado de vara?" dizia aquele departamento sofrido da minha consciência, entre momentos de confiança exacerbada e teatral. abracei-me.
por motivos superiores à minha homo sapiens sapiens sapienidade a estação pareceu envolver-se numa escuridão, digna de uma ode à obscuridade... tentei convencer-me que o escuro, como o frio e tantas outras coisas estúpidas, era psicológico mas uma vez mais a minha consciência sofrida se manifestou. parecia uma cabala, a escuridão, a ausência humana, a dramatização do homem cabisbaixo de vara em punho... era o destino a dizer-me "baza-baza, vai p'ra casa-casa, abre a pestana-tana, qu'isto aqui não é um filme babe!" - ok a parte do babe não entra na música mas convenhamos que "boy" não se adequa à minha sexualidade!
um ruído estranho ao silêncio wes craveniano, soou e eu que permanecia inerte, freezed qual bloco de gelo branco, pálido (imaginando, claro!, a existência, ainda que rara, de cubos de gelo corados...) estremeci. seria o metro? ou o último, o derradeiro elemento do drama que me levaria à vitimização de um qualquer acto criminoso?
o ruído elevou-se e com ele fez-se luz... era o metro! estava salva!
apressei-me a entrar na barca da salvação, sentei-me naqueles bancos sujos e descascados como se fossem poltronas Divanni & Divanni... pensei quão acolhedor conseguia ser um velho metro, a presença de dezenas de desconhecidos, ser a agulha no palheiro.... hum, era de facto capaz de amar aquelas pessoas... aquele palheiro.
enquanto me enleava com estes pensamentos petrarquistas um bater irritante no chão teimava em assassinar a minha boa disposição. interrompi o meu estado etéreo e voltei-me para identificar o usurpador do momento, quando no meu raio de visão surgiu um homem hirto, de vara na mão e convicto... assustei-me de novo, estaria a ser perseguida? olhei com mais cuidado a personagem assustadora, à espera de identificar o meu quase-talvez-agressor, era alto, e tinha uma expressão estranha... não! ele não tinha uma expressão estranha, ele era cego! e no mesmo momento que a minha agora lívida consciência tomou conta do facto, o desconhecido fez-se ouvir: "há alguma dama ou cavalheiro que tenha a bondade de me auxiliar?"
PAS
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