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Uns mais afim que outros, enquanto os outros nem sabem do aforismo
Regressando à minha rubrica - soa tão intelectual, uau! - "A propósito disto", apetece-me comentar a nova trend da juventude: Snifar Canela.
Muitos condenam esta nova moda entre os jovens iluminados da sociedade por personagens como Justin Biebers e Miley Cyrus. Apontam inclusive para os perigos do consumo, com alusões à asfixia e outros malefícios. Pois eu, visionária como sou, discordo. A canela é claramente a solução para a proliferação de vícios que grassa pela sociedade. Tem baixas calorias, não é por qualquer razão que várias pessoas recorrem à mesma como substituto do açúcar. Evita confusões com outras substâncias, como a cocaína - imaginem que ao invés da canela decidiam snifar açucar em pó, nem quero pensar na tragédia. Depois é sobejamente reconhecido que a canela é uma óptima especiaria para enaltecer a qualidade de certos alimentos, como o pastel de nata, o arroz doce, etc. porque não me lembro de mais nenhum, mas quem sabe se não produz o mesmo efeito no quoficiente de inteligência da "geração canela".
Enfim, com tudo isto resta-me condenar o alarmismo face ao consumo nasalado da canela. Eu por exemplo adoro alternar a canela com o Vicky, fica assim uma coisa tipo canela com menta. Maravilhoso.
PAS
Hoje tive o prazer de desfrutar do fenómeno da banalidade. Uma viagem de 30 minutos de autocarro acompanhada de intelectos de fazer inveja aos maiores cérebros da humanidade e quem sabe além.
Sentada no meu banco ergonomicamente deficiente, curiosamente para pessoas deficientes - sorry! - vejo-me, de supetão, encurralada por duas almas frívolas. Discutiam elas a eficiência das máquinas de lavar e secar, os quilos, a durabilidade, as marcas; enfim tudo o que de interessante pode surtir do contexto: "Ah! Quero comprar uma máquina de lavar e secar, mudo de máquina a cada 3/4 anos, não duram nada, são uma porcaria... em trinta anos já tive 5 máquinas de lavar", obviamente a senhora não sabia contar.
Já a companheira de tema retorquia: "A minha máquina é de lavar e secar, mas nunca a utilizei para secar... foi das primeiras a saírem com as duas funções, custou-me um dinheirão", eu pensei para mim, cá está mais uma manifestação de portuguesismo bacoco.
Interessada como estava na conversa e informada como nunca pela complexidade do universo das máquinas de lavar, e enquanto ouvia pela 5ª vez que a primeira personagem queria comprar uma máquina de lavar e secar, sou surpreendida pela entrada impetuosa - a pés juntos - de uma terceira interlocutora, estranha a todos. Diz ela cheia de propriedade: "Não compre! máquinas de lavar e secar são uma porcaria. Comprei a minha há dois anos e já está a dar problemas!", segundos depois de um silêncio estranho acrescenta, "peço desculpa meter-me na conversa, mas de facto a minha máquina é uma porcaria". As duas criaturas anuíram em respeito a mais uma fiel seguidora da religião consumista.
A minha paragem chegou e eu corri para a porta. No meu intimo desejei ser mais subtil na fuga. Questionei a minha feminidade, a minha capacidade de discutir assuntos mundanos como electrodomésticos. O momento atrapalhou o meu exercício mental por uns longos três segundos até cair no obsoleto e eu agradecer ao destino a falta de apelo por objectos tão adorados por passageiras da Carris.
PAS
Era uma vez uma mulher que tirava prazer apenas das pequenas coisas, gestos perdidos, como o de uma mãe a ajeitar o chapéu do filho antes de este entrar na escola, e numa fracção de segundo, quase silencioso, uma caricia que se perde no roçar da mão dela pela face do menino, é revelado como se um testemunho do seu amor ficasse gravado para eternidade. Eram apenas as pequenas coisas.
Um dia andava a incógnita pelas ruas de uma Lisboa molhada, pela bênção de S. Pedro, quando no reflexo de uma montra, decorada para as festas de Dezembro, a figura de uma rapariga a consternou. Era pequena, de tez branca, tão branca quanto a natureza do Inverno permitia, sardas saltavam do nariz para as bochechas como uma civilização em desenvolvimento, os olhos castanhos eram profundos como a inocência que brotava deles, e aquele corte de cabelo, de franja bem definida, era a divisão entre o quotidiano e a vida vivida. Sim, aquela criança era ela.
Aproximou-se do reflexo e tentou tocar-se, ignorando todas as leis da física e da lógica universal. Por qualquer razão ela sentia que o momento era superior a tudo o que era lógico e racional, a magia pairava naquele reflexo feito retrato da sua infância. Ao toque seguiu-se um vazio que a transportou à criança em si.
Era 1988, 24 de Dezembro, a noite era fria, como uma palavra dita sem eco. A mesa estava posta, pratos de fina porcelana e copos Cabernet brilhavam à luz de velas vermelhas, sobre uma toalha coberta de frutos secos e doces de época. Respirava-se Natal. A mãe cobria a azáfama com a sua diligência, “Está na hora”, dizia. Os presentes amontoavam-se metodicamente por baixo do nome de cada um. No seu volume de graças reparou num embrulho em particular, o entusiasmo infantil era difícil de controlar perante a dimensão do mesmo, era como que a antevisão de algo grandioso, algo mágico, algo capaz de apagar da mente de uma criança preocupações de adultos.
Não demorou muito até chegar a sua vez, era a segunda pessoa mais nova presente, e a tradição mandava que a árdua tarefa de revelar os anseios de uma época fossem feitos de forma crescente. Rapidamente a ânsia que morava no interior mascarada de esperança por objectos de desejo deu lugar à excitação da revelação. Deixou o presente que lhe aguçara a atenção para último, como que reservando a si não só prazer da descoberta como a vitória de um duelo entre a ignorância e a esperança por um objecto de valor.
Embrulhada estava uma guitarra-piano elétrica, vermelha, perfeita. A criança nela exultou. Ia, finalmente, poder acompanhar o pai nas suas sessões de música noturnas. Ia, finalmente, poder ser como o pai.
Na guitarra existia, para além dos elementos expectáveis da mesma, um botão com uma versão demo para ajudar a treinar dedos não educados. Ela premiu o botão e da guitarra soou uma versão instrumental da música “Last Christmas”, dos Wham, por razões que não soube explicar abraçou o instrumento como se um companheiro fosse, e deixou que a música a embalasse no sonho que o Natal sempre prometia. Olhou em volta e viu a mãe a sorrir e o pai orgulhoso. A mulher dentro da criança quis permanecer ali, naquele momento, para sempre. Onde a mãe sorria e o pai a olhava enquanto ela abraçava uma ideia. Afastou a guitarra de si e no vermelho vivo viu o seu reflexo, uma jovem mulher, de ombros curvados e abraçada a si por conta da intempérie. Fechou os olhos e gravou o momento, sabia sem perceber que a viagem terminara. Quando os abriu novamente estava de regresso à rua de onde partira, em frente a uma montra que agora reflectia somente a sua presença.
Respirou fundo e apertou-se ainda mais, como se ao frio se tivesse juntado a perda, mas, enquanto uma lágrima prometida escorria pela sua face, e uma catarse se manifestasse naquele lugar, compreendeu o sentido do evento.
Mais do que uma troca de presentes, mais do que uma reunião de família e amigos, mais do que uma celebração religiosa, o Natal era a celebração das memórias que o tempo oferecia com o selo da infinidade.
Com esta revelação, abriu um sorriso, e seguiu para casa iluminada e preparada para um novo Natal, com a imagem da mãe a sorrir e o pai a olhar com orgulho.
PAS
Feliz Natal a todos os presentes e ausentes. Que este dia vos traga acima de tudo sorrisos e novas recordações para este álbum de nome vida.
Tudo seria mais fácil, se o fácil fosse meu amante.
Converso diariamante com ele, convenço-o de todos os meus predicados, tentativas vãs de esconder ao destino que é com a dificuldade que me deito todas as noites, apesar de sonhar com ele.
A vida é chata nessas coisas.
PAS
Não sou uma pessoa de hábitos complicados, alguns deles caem inclusive na trivialidade, um sintoma que nunca forçou um incómodo em mim. Gosto de coisas simples, em contextos simples, com histórias simples. Como estar sentada, à mesa, numa cadeira de vime, parte de um conjunto de mobiliário exterior. Observar, ao longe, barcos acumularem-se no horizonte marcando posição a uma corrida nocturna à subsistência. Para companhia convido apenas a ténue luz de uma vela decadente, um copo de coca-cola borbulhante, que luta desenfreadamente contra agressão do gelo, e por fim o pensamento.
Não vou mentir. Penso, penso muito, obcecadamente, por vezes, mas é a essência do meu estar, um padrão ímpar nos meus hábitos. A minha vida.
Enfim. Estava num dos meus momentos, a que o destino chamaria trivial, não fosse a ausência de um copo de Jack Daniel’s e um cinzeiro de cheio de cigarros mortos pela minha vontade inconsciente de morrer. A companhia era aquela que me fazia o hábito e o olhar estava prostrado na conversa agitada entre dois amantes. A distância era soberba, semelhante à de um atirador furtivo em inicio de carreira, mas era clara a intimidade. Havia entre os dois um ballet de agressividade apenas comum a quem já havia partilhado o leito. Um vulto moreno, de cabelos compridos, agitava a cabeça em sinal de inquietude, enquanto o par, robusto e penteado da moda, esbracejava e mudava o peso da sua estrutura de uma perna para a outra com demasiada frequência.
Não ouvia uma palavra, mas imaginava sons de ódio feitos palavras, numa pauta de inferno com um único destino. A cama.
“Não vales nada. És um síndrome de nada, de tão nada que és”
“Sua cabra! E tu? Tu és um case study para alguma coisa que se esqueceu de ser”
A conversa tinha tanto de profunda como de superficial, consoante a interpretação do momento, naquele instante decidi não desenvolver. Continuei a espiá-los, do terceiro andar oculto, até abandonarem a calçada da querela em marcha fingida, rumo ao mesmo destino. Fingi um “yes” com o braço direito e recostei-me na cadeira, apenas com o som do vime como prova de vida e imaginei como seria a vida sem estas lutas, constantes, em nome de algo tão subjetivo como o amor.
(To be continued)
PAS
15.Agosto.2013
Dias nadam sobre ondas invisíveis de raios UV, a mente associa-se ao ócio e o pensamento torna-se um registo oásico de um deserto de ideias. De fundo faz-se soar a normalidade, através de um A/C demasiado barulhento para ser premiado pela temperatura menos sofrível do antro.
Não se passa nada. A televisão oferece uma variadade de merda apenas existente nas fossas comuns do interior da China. À janela, observo a rua vazia. Fico a aguardar os naturais rolos de feno habituais nos desertos cinematográficos. Mas nada. Nem vento, nem feno, nem lixo.
Ligo para alguém, só para saber se o som do outro lado, da agora inexistente linha, era igual ao do oco e pausado silêncio. Apenas o toque ininterrupto de chamada se faz presente.
Dou um berro, os dois gatos olham para mim e logo desviam o sentido para se recostarem-se novamente no sofá. Também eles se vergaram ao nada.
Fico a olhar ao espelho, só eu e eu, tento descobrir o significado do "nada no olhar", procuro-o no meu olho direito, depois no esquerdo, até a vista ficar turva, ardente e uma lágrima escorrer pelo rosto.
Uma voz chama-me de outra divisão e retira-me da hipnose. "Um algo" pensei. Corri. A revelação foi o alarme do e-mail a avisar-me, que Nada estaria a aguardar. E porque um bom feriado é um bom conjunto de nadas, suspendi a busca por algo e abracei o nada, como se não houvesse amanhã.
PAS
Para quem tem dificuldades em assumir que na vida existem momentos, sinais, que nos recordam aquela arte, ou engenho, de outrora, este pedaço de prosa não lhe servirá propósitos. Mas não será iníquo tentar.
Estava no conforto do lar, a exercitar o ócio, quando a ouvi pela primeira vez, uma voz doce, de sotaque brasileiro, arremessava, em ritmo poético, pensamentos. Descrevia-se como se o mundo estivesse nele e depois ele no mundo. Desviei o olhar do laptop e concentrei-o na caixa de sonhos – que hoje se assemelha mais a uma folha consignada pela evolução – na televisão, exibiam-se ícones do tempo e estados, uns de graça outros nem tanto. Eram momentos de uma década marcada pelo assombroso discurso de uma voz, qual peregrina do tempo, que espelhava o mundo à imagem do seu âmago, ou quiçá, vice-versa.
Fiquei prostrada. Não era a melhor poesia que ouvira, nem tampouco algo meritório de causar uma catarse qualquer. Mas por obra da arte do autor e do engenho de quem montou a peça, tornou-se maior que tudo, e conquistou-me.
Voltei a ser surpreendida mais um par de vezes até me decidir pela investida necessária para desvendar o autor, o ritmo ocupava-me a mente e segmentos da poesia apareciam-me como fragmentos indecifráveis, procurei e inventei inúmeros métodos para descodificar o inventor: nada. Nada era o que surgia de retorno, como se o mundo quisesse esconder de mim a obra e o poeta. Até que a razão tomou a obsessão, que por esses dias parecia maior que tal mundo, e qual veículo da clarividência encontrou a solução.
Contactei o canal de exibição e perguntei, na minha ignorância, o nome do poeta que declamava poesia sob o signo de imagens de uma década, ao que tão delicadamente a SIC respondeu: Oswaldo Montenegro, pai do poema Metade.
Fez-se silêncio na minha alma, procurei agradecida pela Metade que Oswaldo consagrara ao mundo, e só a ouvi de novo quando encontrei o escrito na sombra dos meus olhos. Li e reli, voltei a ler mais uma e duas vezes, sempre com a voz do poeta a substituir a voz da consciência e a cantar palavras de mérito. A metade ficou completa.
Já a catarse? Perguntam-se, fica nas minhas quatro paredes, naquele quarto antes contado e jamais exibido. Mas de prenda deixo-vos um excerto.
(...)
Que o medo da solidão se afaste
E que o convívio comigo mesmo
Se torne ao menos suportável;
Que o espelho reflicta em meu rosto
Um doce sorriso que me lembro ter dado na infância;
Porque metade de mim é a lembrança do que fui,
A outra metade eu não sei...
(...)
Oswaldo Montenegro, Metade
PAS
estava um calor de morte, os lençóis, depois de várias vezes repudiados, exibiam o desespero pela era glaciar, as portadas do quarto estavam cerradas protegendo-me da insegurança das janelas abertas, eu tentava solucionar a minha pseudo-insónia estrangulando a almofada e colocando-a em posições pouco ortodoxas, numa tentativa clara de descobrir a relação científica entre a almofada e o sono. enquanto me distraía, qual sonâmbula, com futilidades, extramuros - na rua - um plot desenrolava-se qual amores perros de Alejandro González Iñárritu, sem as lesbiandades... acordei contra-feita da residente pseudo-insónia, achava insultuoso que os meus pais se dispusessem a discutir em plena madrugada - 8 da manhã de sábado é madrugada, não vale a pena refutar - quais boémios da amarguinha, quando me consciencializei de que a discussão (para não dizer filme) vinha do exterior... vozes elevavam-se como se timbres disputassem o troféu de maior tenor do bairro - mal sabia eu que se disputava mais do que timbres. levantei-me da cama "descamada" e dirigi-me ao hall onde encontrei, quais voyeurs de uma janela indiscreta, a minha família em peso... num instante tentei almejar o bom senso pensando na indiscrição do acto, mas rapidamente calei a voz castrante e juntei-me à plateia. ok! a partir deste momento não tomo quaisquer responsabilidades pela narrativa, os dedos dançaram pelo teclado ao som da minha inconsciência.no exterior encontravam-se cerca de meia-dúzia de pessoas, discutiam violentamente e sem causa, nem efeito. o local era a conhecida "casa do Pai Natal bordeleiro", porquê este nome? digamos que a decoração natalícia foi favorável ao baptismo. as personagens em acção eram dignas de uma revista de Filipe La Féria. em primeiro plano, personagem principal, nomeado para melhor interpretação violenta num bairro dos subúrbios, estava um rapaz robusto, desnudado, revelando toda a pujança de um touro enraivecido, intimidando o ambiente, inclusive o pitbull. este possante rapaz, que por acaso também era de cor - preta, claro! - gritava cantos desinspirados (porque não dizer transpirados) à sua amada Black Pussy, rapariga caucasiana com ambições a ser de cor e com graves problemas de dissociação de personalidade. bem... enquanto a dita Black Pussy rejeitava verbal e gestualmente a intervenção do Action Man (rapaz de cor possante), baptizando-o inclusive com uma panóplia de nomes pouco condignos do léxico português, mas certamente bastante coerentes na sua escola de vida, entra em cena "a mãe", mais conhecida por Stripper/Babbysitter - as origens do nome são confidenciais, mas suspeita-se que esteja relacionado com as actividades nocturnas da sujeito e do seu guarda-roupa. a Stripper/Babbysitter confrontada com o drama subjacente solta a sua voz gutural, presença assídua em todas as casas do bairro, e tenta incutir bom-senso ás duas figuras de um qualquer Romeu e Julieta de Bairro J. o seu companheiro, figura esguia, tipo tábua raza de prateleira com óculos, de nickname Wally, exibia o seu descontentamento transformando os seus olhos, normalmente redondos – quais dots de uma personagem de um filme animado da Manga – em dois traços horizontais carregados.
depois de várias tentativas falhadas de “injectar” bom-senso na querela, algo esperado pela plateia dada a condição pouco abonatória da Stripper/Babbysitter, avança Wally de olhar horizontal e profundo... aquela figura frágil de ossos salientes não demorou muito a regressar à condição de “Wally – o indivíduo que se imiscui na multidão”, pois mal avançou de peito cheio para o Action Man recebeu um estalo, do qual só acordou no chão.
entra em cena o “Empregado de Mesa Insuflado”, também conhecido por irmão de Black Pussy, ou primogénito de Stripper/Babbysitter, este que até então se limitava a observar o aparato residencial, como um espectador interessado num filme de acção hollywoodesco aguardando ansiosamente pela cena do bar de strippers, decide avançar em prol da família, fazendo esvoaçar a sua t-shirt de alças branca e exibindo o fulgor do seu volume muscular. o suspense aumentava, preparávamo-nos agora para observar um combate de pugilismo de pesos pesados – que mais não fosse pela envergadura física exibida pelos concorrentes -, a eterna batalha entre a luz e as trevas, o branco e o preto, a batalha do dia contra a noite... resultado: K.O ao primeiro round! o Empregado de Mesa Insuflado avançou com ímpeto (mas aparentemente sem argumentos) em direcção ao Action Man, com o intuito de afastar o touro enraivecido de Wally, mas mal entrou no circulo de acção do alfa[1] prostrou-se também ele no chão na companhia de Wally, após um valente gancho de direita e uma sucessão de pontapés abdominais. o Action Man espumava, o cão chorava e nós abriamos os olhos incrédulos à cena streefight versão portuguesa.
quando já nada fazia esperar mais que um tomar de posse de Action Man, como o eterno “gajo que reina no cubículo”, surge à porta uma figura de idade, frágil e desconhecida , presumo que não só ao possante rapaz de cor – preta, claro! – pensei se não teria todo este arrufo causado problemas de saúde à desconhecida avó, prostrada à porta... mas mais uma vez fui surpreendida, a senhora não era frágil, nem tinha qualquer problema de saúde, de facto ela parecia uma verdadeira Margaret Tatcher, em pleno domínio do parlamento. da sua boca não saiu qualquer voz gutural, ou cocktail de palavrões, muito comuns na “casa do Pai Natal bordeleiro”, mas um conjunto de palavras estranhamente coordenadas, para qualquer morador daquele antro! a MT (Margaret Tatcher, senhora de aparência frágil e de idade avançada) dirigiu-se ao Action Man e afirmou tão simplesmente: “o senhor (espantoso como ela conseguiu ver ali um senhor) está na minha casa, já discutiu com a minha neta (Black Pussy), já bateu no meu genro e no outro que acho que é meu neto mas não tenho bem a certeza (não contive uma risadinha!) e por fim acordou-me. Lamento imenso mas o circo acabou. Mal acabou a MT de proferir as quebrantes, mas de certa forma parcimoniosas, palavras sai Wally de casa, local onde se tinha entretanto refugiado após o abardinanço anterior, mas não sai de lá sozinho, com ele vinha um enorme pau, eventualmente o único elemento da natureza capaz de rivalizar com o Action Man... Foi neste contexto, entre palavras de desprezo de MT, onde constavam acentuadas ameaças de contacto com a polícia, e o baloiçar do pau entre o céu e o chão com o rapaz possante no horizonte, que o Action Man abandonou o local, entre juras de amor a Black Pussy e ameaças de terror ao resto dos moradores com promessas de um regresso anunciado.
Nota: a tão esperada policia, encomendada por um vizinho incomodado, e a certo ponto do desplante, também ameaçado pelo Action Man, chegou meia-hora depois do jovem possante, de cor – preta, claro! - ter abandonado o local de peito nu e t-shirt na cabeça a lembrar o rapper “50 cêntimos”, herói americano que prega a imoralidade para alcançar sucesso!
PAS
[1] Macho dominante numa matilha de lobos
estava um calor de morte, os lençóis, depois de várias vezes repudiados, exibiam o desespero pela era glaciar, as portadas do quarto estavam cerradas protegendo-me da insegurança das janelas abertas, eu tentava solucionar a minha pseudo-insónia estrangulando a almofada e colocando-a em posições pouco ortodoxas, numa tentativa clara de descobrir a relação científica entre a almofada e o sono. Enquanto me distraía, qual sonâmbula, com futilidades, extramuros - na rua - um plot desenrolava-se qual amores perros de Alejandro González Iñárritu, sem as lesbiandades...
brevemente num blog perto de si.
PAS
dizia-me um pseudo-conhecido: "há alguma dama ou cavalheiro que tenha a bondade de me auxiliar?", dizia-o de forma ritmada, como o glosar de um musical à mendigagem... mas comecemos pelo princípio.
investia eu pelos eternos corredores e escadas rolantes do metropolitano da Baixa-Chiado, procurava o lugar que acedia à minha longa viagem para a nobre Alvalade. Encontrei-o tão despido de cor como de gente, vislumbrei a poucos metros, quase oculto pela escuridão das sombras, um homem cabisbaixo, brincava com o que parecia ser uma vara (tipo: estão a ver o Dr. House?, era antagónico!)... tive num instante receio pela solidão que nos unia. "eu só com um tarado de vara?" dizia aquele departamento sofrido da minha consciência, entre momentos de confiança exacerbada e teatral. abracei-me.
por motivos superiores à minha homo sapiens sapiens sapienidade a estação pareceu envolver-se numa escuridão, digna de uma ode à obscuridade... tentei convencer-me que o escuro, como o frio e tantas outras coisas estúpidas, era psicológico mas uma vez mais a minha consciência sofrida se manifestou. parecia uma cabala, a escuridão, a ausência humana, a dramatização do homem cabisbaixo de vara em punho... era o destino a dizer-me "baza-baza, vai p'ra casa-casa, abre a pestana-tana, qu'isto aqui não é um filme babe!" - ok a parte do babe não entra na música mas convenhamos que "boy" não se adequa à minha sexualidade!
um ruído estranho ao silêncio wes craveniano, soou e eu que permanecia inerte, freezed qual bloco de gelo branco, pálido (imaginando, claro!, a existência, ainda que rara, de cubos de gelo corados...) estremeci. seria o metro? ou o último, o derradeiro elemento do drama que me levaria à vitimização de um qualquer acto criminoso?
o ruído elevou-se e com ele fez-se luz... era o metro! estava salva!
apressei-me a entrar na barca da salvação, sentei-me naqueles bancos sujos e descascados como se fossem poltronas Divanni & Divanni... pensei quão acolhedor conseguia ser um velho metro, a presença de dezenas de desconhecidos, ser a agulha no palheiro.... hum, era de facto capaz de amar aquelas pessoas... aquele palheiro.
enquanto me enleava com estes pensamentos petrarquistas um bater irritante no chão teimava em assassinar a minha boa disposição. interrompi o meu estado etéreo e voltei-me para identificar o usurpador do momento, quando no meu raio de visão surgiu um homem hirto, de vara na mão e convicto... assustei-me de novo, estaria a ser perseguida? olhei com mais cuidado a personagem assustadora, à espera de identificar o meu quase-talvez-agressor, era alto, e tinha uma expressão estranha... não! ele não tinha uma expressão estranha, ele era cego! e no mesmo momento que a minha agora lívida consciência tomou conta do facto, o desconhecido fez-se ouvir: "há alguma dama ou cavalheiro que tenha a bondade de me auxiliar?"
PAS
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