Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Uns mais afim que outros, enquanto os outros nem sabem do aforismo
Sujaram-me hoje a face de dissimulação. Esperei, no seio da boa vontade e empatia, reservar juízos de valor e dar o benefício da dúvida a quem por repetidas vezes demonstrara não o merecer. Sob a sombra da perda e da memória de quem fora casta e diáfana ousei sonhar em descobrir a outra face de uma lua eternamente escondida na obscuridade. Pecado meu.
Sujaram-me a face de dissimulação... reservei na mente o acto e lavei a mesma face na água santa que a recordação de um anjo soube criar. E se o espinho da falsidade não me impediu de seguir o rumo que me destina, sem causar cancro na alma, já a ausência de pudor sobre a memória da mesma santa finca-se-me repetidamente no âmago, qual exercício repetido de uma navalha, de desonestidade e avareza, contra a forma da inocência. Pecado meu?
Sujaram-me a face, e por mais que a lave no esoterismo da minha crença, sinto-a marcada pelo desgosto e pelo desencanto. Sangue do meu sangue, pecado do meu pecado? Escrevo mil vezes uma calúnia para lutar contra o meu desamparo emocional. Sujas, lavadas, as feridas moram cá, sem argumento que oblitere o efeito cáustico e agnóstico que me circula pelas veias como veneno.
Revejo-me, qual idiota do pensamento, a tentar estudar os efeitos e pseudo-efeitos que outros contextos teriam permitido: um momento de catarse negativa, que fizesse cair uma caraça de traços tão perfeitos que me estupidificasse perante tão mor surpresa; se a triste realidade de conhecer os contornos de uma face hipócrita e permitir-me a sujeição a mais uma deselegância, a um engodo. Pecado meu concerteza.
Sujaram-me hoje a face de dissimulação e eu deixei.
PAS
o Homem como animal social tem uma inclinação natural para se insinuar em grupos, mesmo que isso ás vezes signifique fazer sacrifícios nas relações estabelecidas. ora esta conexão nem sempre é bem sucedida e em determinadas situações afigura-se como a excepção que confirma a regra, estou a falar daquelas pessoas cujo feitio, a postura, ou a orgânica do relacionamento é impossível de suportar.
não sou uma pessoa abstraída de consciência, conformo-me com a ideia de que posso ser difícil e de ódio fácil para quem não suporta uma relação a três, sendo o sarcasmo o terceiro elemento… talvez por essa razão não me surpreende a antipatia por aqueles que são incapazes de compreender o valor da comédia sarcástica.
a relação conflituosa, ou relação inexistente, não é de todo despida de intenções meritórias, são raras as situações cujas tentativas morrem ao primeiro olhar, mas o indício de antipatia fica residente. neste particular a capacidade de sofrimento e controlo é indivisível do ser.
quantas vezes não somos confrontados com indivíduos soturnos, verdadeiros zombies da sociedade, onde por empatia genética tentamos converter à nossa vivência humana? ou indivíduos que intempestivamente revelam reacções agressivas durante um debate de ideias? ou cuja forma ideológica é tão hermética que são incapazes de ouvir o pensamento de outrem? ou alguém cuja formação moral não permite intuir uma piada, uma expressão, um olhar? há caminhos que inspiram a viagem e depois há os outros…
por vários motivos – incongruência, masoquismo, utopia – tento sempre vencer o óbvio, e visto o papel de conversor de estares. a esperança, aquela ideia comum entre todos os Homens, crentes e não crentes, conduz o âmago a um exercício de metamorfose comportamental, qual gesto de procura pelo momento em que a Carpa morde o anzol. a eficácia do acto é irrisória, mas por alguma razão, aquela esperança em mim não permite desistir ao primeiro revés e assim se multiplica o mal-estar, a insatisfação até ao momento do desespero e da ruptura.
não sei o que isto diz de mim, como também não sei o que isto diz da sociedade, das relações ou do Homem, mas sei o que o meu pai diria: não há nada como um indivíduo capaz de se rir de si mesmo!
PAS
detesto viver na empatia, aquele estar deturpado onde o problema dos outros parecem nossos... antes ser poeta e fingidor que ser escritor empático. o próprio nome parece padecer de uma doença crónica prima de crises de fígado... sinto a bílis crescer, sinto a vulnerabilidade apossar-se dos meus sentidos e deixar-me inerte ao sentimento orbital, eu detesto vulnerabilidade.
não me contem histórias, não me chamem aos tormentos, não me façam juíza da miséria, privem-me desse viver empírico, a vida é singular, não colectiva!
cinjo-me aos firmamentos da vida, não quero mais dela que ela de mim, vivemos em comunhão e vivemos bem, quanto à empatia... encontro-a ocasionalmente na esquina do mendigar.
PAS
pego na caneta, arrasto-a pelo papel qual dança coreográfica destinada à criação. não são palavras quaisquer que surgem do desígnio, são de léxico redondo e métrica eloquente, pautadas por razões superiores à razão.
não me abstraio de pensar, enquanto a ponta extrema da minha intenção resiste ao lugar comum das palavras... espero o sentido divino em cada gesto, espero o momento em que palavras iludem palavras e realizam acções.
por isso pego na caneta, aquele instrumento solitário, de vida finita... aquele a quem desejo dar o destino que qualquer caneta merece, o destino da obra de arte, do casamento da prosa, do baptismo da folha virgem, da consumação do acto... e ao pensar arranho a tal folha virgem e exprimo o que me traz o âmago à memória.
PAS
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.