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Volta Parola em Bicicleta

por PAS, em 29.08.13

27.Agosto.2013

 

Hoje armei-me, adoro esta expressão cheia de classe, em ciclista. Andei feita parola, de calção, "camisa em tê" - vá toca a falar português - e óculos de fino intelecto a palmilhar Lisboa da primeira à sétima colina. 
Conclusão a retirar do sacrifício: Nenhuma de jeito. A pança continua no mesmo sitio, a minha cara assemelha-se a um pimento vermelho redondo gigante, onde as sementes se inverteram e resolveram pautar o pimento, num claro manifesto ás sardas irrascíveis. Outra não conclusão é de que a bicicleta, como objecto, é absolutamente idiota, devia ter um mecanismo que permitisse um modo cool, para quem, como eu se cansa da futilidade do pedalar, para além de que continuo a não conseguir replicar o aspecto madaleno, benedito e diáfano, daquelas meninas que fazem da bicicleta um parceiro de ballet na estrada, e cujas pedaladas são gestos de uma coreografia que só os benquistos alcançam. Pois merda para elas. Eu pareço uma parola.


PAS

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Metrofiction

por PAS, em 29.08.13

09.Agosto.2013


Hoje. Local, Metro de Lisboa, sentada num dos vários ninhos para quatro individuos desconhecidos. 
À minha frente estava sentada uma mulher de origem indiana, perfeitamente normal, amarela, com pouca pele à mostra na cara, mas de braços nús, quase até ao pescoço do vizinho do lado.
Até aqui tudo fixe, até o meu olhar clínico cair sobre a habitual bola vermelha situada entre os olhos. O tamanho era regular, o vermelho vivo, como se pede, mas estava deslocada. O lugar da bola é claramente cirúrgico, diria milimétrico, e a bola da Priyanka sentada à minha frente estava a encaminhar-se perigosamente para o olho direito, com a agravante de estar a deixar rasto.
Apeteceu-me avisar a Priyanka, meter o dedo na bola e colocá-la no sitio, mas acabei por deixar a bola seguir o seu curso rumo ao olho inocente. 
Sim a cobardia venceu e a estação do Metro do Cais-do-Sodré também.


PAS

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viva!, algo perdido e desencontrado de tão só e sóbrio. a sua respiração tímida, entrecortada por delinquentes perfumes de maresia, transportam-me, juíza, à compaixão pela santa pobreza, digna por auto-flagelo, da hipotética porta de entrada à terra de Santa Maria de Belém.
passam cacilheiros, transeuntes, gentes de bulício, por aquela estação de isolamento... sinto-me constrangida de tão só que se me apresenta a dignitária! quase tão obsoleta quanto o regime que a fez nascer.
cruzam-se comigo sobre a pressão da clepsidra laboral, sem despeito pela arquitectura, peões da Trafaria ou Porto Brandão. quem sabe ela seja tão indiferente de concludente, que nada representa, nada consubstancia?
rejeito a ideia de que tal arquitectura seja apenas a obra "apoética" de um combinado estatal; não foi também a Estação Fluvial de Alcântara vítima de um processo, em vaga, de melhoramentos das condições de trânsito?, conta ,no entanto, a mesma com o apadrinhar generoso de Almada Negreiros. porque não vivo eu a presença de alguém?, porque será esta estação tão fria?
promovo na minha mente a equação que levara o pretérito Arqº Frederico Cardoso de Carvalho, assim como ao confrade Engº Duarte Pacheco - senhorial ministro das obras públicas - a executar uma obra tão pouco pública. por que razão intenções tão camuflatárias teriam sido adoptadas num círculo de património tão concerne à nossa grandeza lusitana?
sento-me enquanto me distraio na congeminação dos factos... aquele telhado de duas águas, aquela pseudo-torre de ambições a faroleiras, à qual o tempo roubou o fardo; aquelas janelas de enclausura que absorvem a alma de tanto sufocarem a presença. retraio-me com um novo plot, talvez a ideia de tão célere projecto - como foi o habitar da costa com monumentos fluviais - se manifestasse pela experiência negativa do transeunte antes da viagem epopeica à realidade adjacente.

os cacilheiros passam, assim como as pessoas e o tempo, uns de destino a Lisboa, outras a menos ambicionadas viagens, nenhuma com este destino.

desisto da ideia de me transformar amorfa para agradar à condição da estação em estudo, liberto-me temporariamente da posição expectante e procuro a origem das sombras que tornavam o meu objecto tão na pas de quoi. à direita encontro o Museu da Electricidade, antiga central tejo, em tempos o locci mais iluminado de Olisipo, hoje um imponente edifício cuja erosão tem vencido com o brio da elegância britânica.
à esquerda avisto ao longe, quase que em horizonte de memória, o Padrão dos Descobrimentos, uma imagem irreal naquele desplante de vazio arquitectónico. volto a questionar a razão da estação. começo a caminhar deixando em rasto segundos de afastamento daquele elemento fluvial tão dúbio, sinto-me envolvida pelas árvores, pela sombra que elas respiram, a batalha interior que me conduzia fugia-me em espiral... uma amnésia abençoada liberta-me da repressão ideológica e compreendo finalmente a origem daquela criação, a sua razão, o seu esquecimento em presença e vivência... eram as árvores, as árvores do olvidar, elas transformavam o espaço, elas cortavam os laços, a simbiose... escondiam o objecto da conjuntura urbana.
regressei num impulso à Estação Fluvial, ela ali estava, de fundo soava abafado, pelo som daquelas árvores quebrantes, o comboio, chamando passageiros em sofreguidão. eu associei no imediato aquela voz à condição da estação marítima... aquela rectidão, aquele desprezo pela agradabilidade, constrangeu-me. de repente apetecia-me mudá-la, pegar nos volumes funcionais e "afuncioná-los", construir uma barreira de criatividade e destruir a doutrina da opressão - a palavra ditadura assolou demasiadas vezes a minha mente. era isso que ela representava, uma súbdita de um idealismo ultrapassado e industrializado e eu não podia fazer nada, a sua existência seria sempre aquela monotonia apaisanada, sem momentos.
desisti. aquele objecto de estudo não era o meu objecto, era o objecto de ninguém. e foi assim que o deixei, no crepúsculo, enquanto me cruzava com os passageiros, os transeuntes...

in Estação Fluvial de Belém


PAS
(escrito em 2000, arranjado em 2006)

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estava a passear pelo paredão, diga-se para os que não estão familiarizados com o termo, que é a denominação que os cascaenses dedicam à via pedonal que se prolonga pela costa do sol, banhada pela rebentação das águas de Dezembro e iluminada pelo sol de Julho... mas como aferia, passeava eu pelo paredão, observando a estereoctomia do pavimento e imaginando quantas vidas teriam pisado o mesmo destino, quantas o teriam percorrido pelo instinto do atraso para um encontro, quantas teriam simplesmente dedicado a sua presença ao exercício do jogging ou do walking... quantas teriam, como eu, praticado a faculdade do percurso pelo simples prazer da observação da vida emanescente. apreciar o skyline da vila de Cascais, sentir a presença do turismo ecléctico a cruzar-se com o rudimentarismo, tão nosso, como poético.
caminhei sob a aura de uma nobreza pretérita, os senhores e fidalgos que em tempo tomavam este nosso encanto, como a folga elitista dos afortunados. suspirei mentalmente a evolução, hoje sou plebeia e digna de caminhar sobre aquele chão tão mais nobre que aqueles que se afirmavam ser.
avistei no horizonte os domínios que encerravam o concelho, não me preocupei com o desarranjo urbano, ou a carência de certos atributos dignos de um concelho como o de Cascais. olhei... simplesmente olhei com olhos de ver, aconchegada por um profundo sentimento de paz, respirei fundo para levar comigo um pouco mais daquele segredo e pensei: sim, isto é Cascais.

(crónica escrita para o novo site Cascaisonline.com)

PAS

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